Filosofia – Texto 10 – Filosofia da
Linguagem (Parte II)
A Origem da Linguagem:
Durante muito
tempo a filosofia preocupou-se em definir a origem e as causas da linguagem.
Uma primeira
divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural aos homens
(existe por natureza) ou é uma convenção social? Se a linguagem for natural, as
palavras possuem um sentido próprio e necessário; se for convencional, são
decisões consensuais da sociedade e, nesse caso, são arbitrárias, isto é, a
sociedade poderia ter escolhido outras palavras para designar as coisas. Essa
discussão levou, séculos mais tarde, à seguinte conclusão: a linguagem como capacidade de expressão
dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem
física, anatômica e fisiológica que lhes permite expressarem-se pela palavra;
mas as línguas são convencionais, isto é, surgem de condições históricas,
geográficas, econômicas e políticas determinadas, ou, em outros termos, são
fatos culturais. Uma vez constituída uma língua, ela se torna um sistema dotado
de necessidade interna, passando a funcionar como se fosse algo natural, isto
é, como algo que possui suas leis e princípios próprios, independentes dos
sujeitos falantes que a empregam.
Perguntar
pela origem da linguagem levou a quatro tipos de respostas:
1.
A linguagem nasce por imitação, isto é, os humanos
imitam, pela voz, os sons da natureza (dos animais, dos rios, das cascatas e
dos mares, do trovão e do vulcão, dos ventos, etc). A origem da linguagem
seria, portanto, a onomatopéia ou imitação dos sons animais e naturais;
2.
A linguagem nasce por imitação dos gestos, isto é,
nasce como uma espécie de pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um
sentido. Pouco a pouco, o gesto passou a ser acompanhado de sons e estes se
tornaram gradualmente palavras, substituindo os gestos;
3.
A linguagem nasce da necessidade: a fome, a sede, a
necessidade de abrigar-se e proteger-se, a necessidade de reunir-se em grupo
para defender-se das intempéries, dos animais e de outros homens mais fortes
levaram à criação de palavras, formando um vocabulário elementar e rudimentar,
que, gradativamente, tornou-se mais complexo e transformou-se num língua;
4.
A linguagem nasce das emoções, particularmente do grito
(medo, surpresa ou alegria), do choro (dor, medo, compaixão) e do riso (prazer,
bem-estar, felicidade). Citando Rousseau em seu Ensaio sobre a origem das línguas:
Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o
ódio, a piedade a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras
vozes... Eis por que as primeiras línguas forma cantantes e apaixonantes antes
de serem simples e metódicas.
Assim, para
Rousseau, a linguagem, por nascer das paixões, foi primeiro linguagem figurada
e por isso surgiu como poesia e canto, tornando-se prosa muito depois; e as
vogais nasceram antes das consoantes. Assim como a pintura nasceu antes da
escrita, também os homens primeiro cantaram seus sentimentos e só muito depois
exprimiram seus pensamentos.
Essas teorias
não são excludentes. É muito possível que a linguagem tenha nascido de todas
essas fontes ou modos de expressão, e os estudos de psicologia genética (isto
é, da gênese da percepção, imaginação, memória, linguagem e inteligência nas
crianças) mostram que uma criança se vale de todos esses meios para começar a
exprimir-se. Podemos dizer que uma linguagem se constitui para a criança (e
para todos os seres humanos), quando ela passa (ou todos passamos) dos meios de
expressão aos meios de significação. Um gesto ou um grito exprimem, por exemplo, medo; exprimem um
sentimento; palavras, frases e enunciados significam
o que é medo, dizem qual é o sentido do sentimento do medo.
O que é a
Linguagem?
A linguagem é
um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação
entre pessoas e para a expressão de ideias, valores e sentimentos. Embora tão
simples, essa definição da linguagem esconde problemas complicados com os quais
os filósofos têm-se ocupado desde há muito tempo. Essa definição afirma que:
1. A linguagem é um sistema, isto é, uma totalidade
estruturada, com princípios e leis próprios, sistema esse que pode ser
conhecido;
2. A linguagem é um sistema de sinais ou de signos, isto é, os elementos que formam a totalidade lingüística
são um tipo especial de objetos, os signos, ou objetos que indicam outros,
designam outros ou representam outros. Por exemplo, a fumaça é um signo ou
sinal de fogo, a cicatriz é signo ou sinal de uma ferida, manchas na pele de um
determinado formato, tamanho e corsão signos de sarampo ou de catapora, etc. No
caso da linguagem, os signos são palavras e os componentes das palavras (sons
ou letras);
3. A linguagem indica coisas, isto é, os signos lingüísticos (as palavras) possuem
uma função indicativa ou denotativa, pois como que apontam
para as coisas que significam;
4. A linguagem estabelece a comunicação entre os seres humanos, isto
é, tem uma função comunicativa: por meio das palavras entramos em relação
com os outros, dialogamos, argumentamos, persuadimos, relatamos, discutimos,
amamos e odiamos, ensinamos e aprendemos, etc.;
5. A linguagem exprime pensamentos, sentimentos
e valores, isto é, possui uma função de conhecimento e de expressão, ou função
conotativa: uma mesma palavra pode exprimir sentidos ou significados
diferentes, dependendo do sujeito que a emprega, do sujeito que a ouve e lê,
das condições ou circunstâncias em que foi empregada ou do contexto em que é
usada. Assim, por exemplo, a palavra água,
se for usado por um professor numa aula de química, conotará o elemento químico
que corresponde à fórmula H²O; se for empregada por um poeta, pode conotar
rios, chuvas, lágrimas, mar, líquido, pureza, etc.; se for empregada por um
criança que chora pode estar indicando uma carência ou necessidade como a sede.
A definição
nos diz, portanto, que a linguagem é um sistema de sinais com função
indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa.
No entanto,
essa definição não nos diz várias coisas. Por exemplo, como a fala se forma em
nós? Por que a linguagem pode indicar coisas externas e também exprimir ideias
(internas ao pensamento)? Por que a linguagem pode ser diferente quando falada
pelo cientista, pelo filósofo, pelo poeta ou pelo político? Como a linguagem
pode ser fonte de engano, de mal-entendido, de controvérsia ou de mentira? O
que se passa exatamente quando dialogamos com alguém? O que é escrever? E ler?
Como podemos aprender uma outra língua?
Obs. Texto retirado na íntegra do Livro – Convite à Filosofia de autoria de
Marilena Chauí.
Dicas de Leitura:
- O
Mundo precisa de Filosofia – Eduardo Prado de Mendonça
- A
Peste – Albert Camus
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