terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

SISTEMATIZAÇÃO DA GEOGRAFIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA

O estudo da geografia abrange, hoje, grande complexidade de aspectos. O desenvolvimento dos meios de comunicação, o crescimento demográfico, descoberta de novos meios de explorar a superfície terrestre, a evolução da técnica em geral, e a entrada do capitalismo trará profundas transformações na geografia, no plano da realidade e no plano do saber.

A geografia começa a ser observada a partir do momento em que se necessita orientação com a ajuda da ciência às expedições que abrirão as portas das civilizações. A articulação entre cientistas e exploradores compõe a espinha dorsal dos trabalhos.

Há uma intensa controvérsia sobre a matéria tratada pela geografia, sendo atribuídas múltiplas definições a esta ciência. Algumas delas são:
§ Estudo da superfície terrestre: esta definição apóia-se no significado etimológico do termo Geografia - descrição da terra, por descrever todos os fenômenos manifestados na superfície do planeta, sendo uma espécie de síntese de todas as ciências.
§ Estudo da paisagem: mantendo concepção da ciência de síntese, pois associa múltiplos fenômenos estando visíveis a aspectos visíveis do real. Possui duas variantes: a morfológica que é descritiva, sendo objeto de estudo elementos e formas; e a fisiológica que relaciona elementos e dinâmicas observando o funcionamento da paisagem, nessa perspectiva seria a idéia de organismo com funções vitais e elementos que interagem;
§ Estudo da individualidade dos lugares: compreendendo o caráter singular de cada porção do planeta, através da descrição, podendo ter uma visão ecológica. Propõe-se o estudo de uma unidade espacial passível de ser individualizada;
§ Estudo da diferenciação de áreas: através da individualização e comparação, propondo uma perspectiva mais generalizada e explicativa. São buscadas as regularidades da distribuição e das inter-relações dos fenômenos;
§ Estudo das relações entre o homem e a natureza: que podem ser as influências da natureza sobre o desenvolvimento da humanidade, estudo das relações entre homem e natureza e com os dois tendo o mesmo peso, trabalhando com os fenômenos naturais e humanos.
§ Estudo do espaço: que só seria aceito se fosse concebido como um ser específico do real, com características e com uma dinâmica própria somente depois de demonstrar a afirmação efetuada. A expressão espaço aparece como vaga, ora estando associada a uma porção específica da
superfície da Terra identificada seja pela natureza, seja por um modo particular como o homem ali imprimiu suas marcas, seja com referência a simples localização.

Como ciência social a geografia tem como objeto de estudo a sociedade que, no entanto, é objetivada via cinco conceitos-chave que guardam entre si forte grau de parentesco, pois todos referem à ação humana modelando a superfície terrestre: paisagem, região, espaço, lugar e território.

O percurso: busca de entendimento nas formas de análise


A Geografia atual é um amálgama, mistura de elementos diversos que contribuem para formar um todo.
Mesmo sendo um saber tão antigo quanto a própria história dos homens o atual discurso da geografia é o produto final dos embates que denominam as relações entre os imperialismos alemão e francês ao longo do século XIX, havendo uma luta entre concepções divergentes a respeito da forma como se dá a relação entre o homem e o meio.

A Geografia nasce colada, de um lado, às lutas democráticas que se desenrolam nas cidades gregas e atravessam praticamente toda a sua história. A Geografia que irá desenvolver será a que veremos servindo ao Estado, concebida com relatos e mapas, e assim passará para a história como a Geografia.
A relação feudalista /capitalista surge como questão do espaço, temas como domínio e organização do espaço, apropriação do território, variação regional, entre outro, estarão na ordem do dia na prática da sociedade alemã, e as primeiras colocações no sentido de uma Geografia sistematizada vão ser de Humboldt e Ritter, que criam uma linha de continuidade no pensamento geográfico.

Dos romanos à "idade da ciência" (século XVIII-XIX) a geografia terá sua imagem alinhada como um inventário sistemático de terras e povos. A história da Geografia é um salto fantástico no tempo e no espaço, durante o correr dos séculos a Geografia não tem "escolas", então a partir do século XVIII desenvolver-se-ão as "escolas".

A Escola Alemã


A "escola alemã" que surge em duas vias de discussões: a "Geografia político-estatística" que define o papel da Geografia como sendo uma montagem do painel mais amplo e sistemático possível de uma dada conjuntura e a "Geografia pura" que assenta a tônica na unidade da base regional, sendo para ela critério os limites naturais do terreno. A Geografia não podia continuar sendo um quadro descritivo de uma dada situação conjuntural. O capitalismo alemão carecia de soluções práticas.
O Kantismo foi decisivo nesta etapa, para Kant o conhecimento deve ser empírico havendo um "sentido interno" que revela o homem (Antropologia pragmática) e um "sentido externo", que revela a natureza (Geografia física). A Geografia é a localização do fenômeno no espaço.
Outros importantes teóricos foram Humboldt e Ritter, sendo os precursores da Geografia moderna, eles vêem a Geografia como sendo a totalidade das coisas naturais e humanas, na qual os homens vivem e sobrevivem. Com Ratzel que o comprometimento da Geografia com os desígnios imperialistas da burguesia alemã mostrar-se-á com maior transparência, e dirá que o homem é que determina o seu meio natural (Determinismo).

Humboldt possui conteúdos normativos explícitos, justificando a explicitação de seus próprios procedimentos de análise. O objeto geográfico é a contemplação da universalidade das coisas, de tudo que coexiste no espaço concernente a substâncias e forças, da simultaneidade dos seres materiais que coexistem na terra. O estudo reconhece a unidade na imensa variedade dos fenômenos, descobrindo pelo livre exercício dos pensamentos e combinando as observações a constância dos fenômenos em meio as suas variações aparentes. O seu método era o empirismo raciocinado (intuição a partir da observação).

A obra de Ritter é metodológica, define o conceito de sistema natural como a área delimitada dotada de uma individualidade. A Geografia deveria estudar estes arranjos individuais e compará-los. O homem seria o principal elemento, ele fazia um estudo dos lugares. Sua análise era empírica, como ele dizia era necessário caminhar de "observação em observação". Procurava chegar a uma harmonia entre a ação humana e os desígnios divinos, manifestos na variável natureza dos meios. Possuía uma proposta antropocêntrica (homem é o sujeito da natureza) e regional (estudo da individualidade), valorizando a relação homem-natureza.
A importância maior da proposta de Ratzel reside no fato de haver trazido, para o debate geográfico, os temas políticos e econômicos, colocando o homem no centro das análises. Mesmo que numa visão naturalizante, e para legitimar interesses contrários ao humanismo. Da crítica a Ratzel sairá o elemento-chave que é a teoria do possibilismo.

A Escola Francesa


A "escola francesa" propõe uma Geografia informativa e descritiva, ensinada nas universidades como disciplina auxiliar do ensino da história, tendo também uma feição informe e utilitária.
Um de seus expoentes foi La Blache que personificará a escola por espelhar em suas idéias melhor que qualquer de seus companheiros as aspirações do Estado Francês. A escola apoiar-se-á no funcionalismo por via do qual absorve o positivismo.

La Blache discute a relação homem-natureza, não abordando as relações entre os homens. É por esta razão que a carga naturalista é mantida, apesar do apelo à História, contida em sua proposta.
A geografia divide-se em Geografia Física (Humboldt) e em Geografia Humana (Ritter). Haverá a separação entre Geografia Geral (Humboldt) e Geografia Regional (Ritter). Há uma reciprocidade de influências entre o homem e o meio, no interior da qual a vontade humana dota o homem de ampla possibilidade de dominar seu meio.

A Escola Anglo-saxônia


A "escola anglo-saxônia" apresenta a "Geografia quantitativa e teorética", e o substrato que lhe dá substância é a mundialização do capital; possui base neopositivista (positivismo lógico). Seu caráter revolucionário aplica o salto para a fase explicativa. Falhando, pois era mais conhecido o "terreno" pessoalmente que computadorizado.

Nós a aprendemos e percebemos por força do próprio cotidiano, fazemos parte do espaço geográfico. A Geografia é um saber vivido e apreendido pela própria vivência. Mas nem sempre a aparência é o real. A realidade esconde-se por trás da aparência, "a ciência seria desnecessária se toda essência coincidisse com a sua aparência". Pode sim, haver semelhanças formais, da aparência fazem parte os aspectos visuais e a essência não é só o empírico, mas também a realidade causal.

Os métodos da Geografia sendo usada como geometria do espaço, não procura causas, consiste em uma sucessão de passos cujo fim é a inferência causal: coligir dados compará-los, classificá-los, estabelecer generalizações e extrair explicação causal.Estes passos podem ser resumidos a três sucessivas: observação, formulação de hipóteses e inferência de leis; pela via da comparação extraem-se as "leis" (generalizações) e pela via das correlações extraem-se os "padrões".

Temas para a análise da geografia


Pela concepção do todo Ritter diz que a Geografia deveria ser estudada em partes individualizadas, mas interligadas por finalidades, formando um todo. Humboldt diz que o todo é uma unidade de diversidade e a síntese era feita a partir da relação existente entre a vida orgânica e a inorgânica. A Geografia alemã usa sínteses sucessivas, usando uma temática dos métodos.

Na "escola francesa" a noção do todo ganha maior refinamento teórico, mas a Geografia super-ramifica-se e terá de se conformar em ser uma "síntese das ciências de análise". A síntese só se obterá ao nível da Geografia Regional que Lacoste dirá que é um todo articulado segundo uma integração que só na sua ordem escalar (escala geográfica) pode ser apreendido.

Na "escola anglo-saxônica" determinada faixa do todo será analisada através de dados estatísticos e matemáticos, sendo que o resultado seria dado através da perspectiva genérica e explicativa do pensamento geográfico.
A sociedade é o tema verdadeiro da Geografia. Ela estudá-la-á a partir daquilo que é a expressão material visível da sociedade: o espaço.

A Geografia está na forma historicamente diferenciada de existência na relação visivelmente distinta com as condições materiais de existência, na forma específica da ligação orgânica entre o homem e a natureza de posse do produto do trabalho, na articulação das relações de conjunto e nas transfigurações espaços-formais.

Do surgimento da crítica


O pensamento da Geografia tem origem na antiguidade clássica (Grécia). É um período de dispersão do conhecimento geográfico, onde é impossível falar dessa disciplina como um todo sistematizado e particularizado. Sodré denomina-o de pré-história da Geografia.

A sistematização tem início no século XIX com pressupostos históricos que se objetivam no processo do avanço e domínio das relações capitalistas de produção. Os pressupostos se baseiam na necessidade de que a terra toda fosse conhecida para que fosse pensado de forma unitária seu estudo; dados referentes aos pontos mais diversificados da superfície deveriam estar levantados e agrupados em alguns grandes arquivos.
Existem outros pressupostos relacionados à evolução do pensamento, como o movimento ideológico e a transição do feudalismo-capitalismo na valorização de temas geográficos pela reflexão da época; afirmação das possibilidades da razão humana, a aceitação pela existência de uma ordem, manifestação de todos fenômenos, passível de ser apreendida pelo entendimento e enunciada em termos sistemáticos.

A efetivação da Geografia ocorria no período de decadência ideológica do pensamento burguês, em que a prática dessa classe, então dominante, visava à manutenção da ordem social existente.]

Certamente, não se pode negar que a sistematização da Geografia, representada por suas escolas colaborou de forma decisiva para se justificar tanto o imperialismo alemão quanto o imperialismo francês.
Entretanto, a sistematização possibilitou uma melhor compreensão da sociedade da qual fazemos parte e até de nós mesmos. Conhecimento este que é aplicado até os tempos atuais.

Como podemos observar, as escolas surgidas nesse contexto de formação do pensamento geográfico estavam realizando uma análise do espaço geográfico de forma "acritica". Os movimentos de renovação da geografia e a própria geografia crítica, conforme o próprio nome já diz, vieram com o intuito de remodelar, revitalizar a forma de se fazer geografia e de se analisar o pensamento geográfico como um todo. Este trabalho ocorreu por meio de importantes geógrafos com Milton Santos e Hartshorne que fizeram pesadas críticas ao sistema decadente, mas não se limitaram apenas a criticar como também trouxeram novas teorias e formas de se trabalhar a geografia.

A geografia finalmente estava voltando a ver o mundo de forma atualizada e crítica como deveria ser. Iniciava-se uma nova forma de pensar...

Conclusão


Considerada por alguns como uma das mais antigas disciplinas acadêmicas, a Geografia surgiu na Antiga Grécia, sendo no começo chamado de história natural ou filosofia natural. A Geografia se propõe a algo mais que descrever paisagens, pois a simples descrição não nos fornece elementos suficientes para uma compreensão global daquilo que pretendemos conhecer geograficamente.

Ir além das aparências significa considerar que por trás de toda paisagem temos, necessariamente, uma dinâmica particular que a determina, que a constrói, que a mantém com determinada aparência. Estudar geograficamente o mundo, no todo ou em parte, é buscar entender como e por que as paisagens apresentam as características que observamos. A geografia deve propor-se a investigar, principalmente, o modo pelo qual a sociedade produz o espaço geográfico.O espaço geográfico não se revela apenas na aparência das coisas, mas, sobretudo na investigação das razões que determinam essa aparência. Podemos compreender que o espaço geográfico inclui a Natureza e o homem.

O positivismo foi de fundamental importância para a Geografia, pois sua sistematização ocorreu de acordo com os princípios positivistas, como o empirismo que deixou fortes influências na Geografia. Os principais autores foram Humboldt que usou o método do raciocínio através do empirismo e da observação; e Ritter que mostrou ao mundo o princípio da relação entre a superfície da terra e a natureza e dos seres humanos, era defensor constante do uso de todas as ciências para o estudo da geografia.

Já sabemos que só a partir deles a Geografia se tornou realmente uma ciência e que sua sistematização proporcionou que virasse uma ciência acadêmica que pudesse ajudar em questões atuais.
Impulsionada por um período de acúmulo de arquivos e dados geográficos referentes a novas terras, a sistematização se torna necessária, potencializando a sintetize de informações e formando-se quadros e teorias geográficas. Tal período ainda não fora totalmente racionalizado, ou seja, seu conteúdo possui alguns traços e marcas da irracionalidade característica de um processo em iniciação. O processo geográfico não se encontra parado, pelo contrário ele flui pelas correntes sucessivas a esse período buscando sua firmação e aprimoramento.

A busca da articulação entre natureza e sociedade não foi tarefa fácil para os geógrafos. Na verdade, construir uma ciência de articulação na época em que surgiu oficialmente a Geografia pareceria ser como remar contra a maré, pois nesse período a visão de ciência dominante privilegiava a divisão entre ciências da natureza e da sociedade.

A fragmentação científica é sem dúvida a força que promove o primeiro impacto na existência da Geografia.
"A geografia serve antes de mais para fazer a guerra". Esta frase de Yves Lacoste aparentemente simples resume perfeitamente este trabalho. A guerra aqui tratada, não é apenas uma guerra de armas e de dominação, mas principalmente, uma guerra de idéias, de teorias, de ciência.

A Geografia em sua busca de novos caminhos e de novas interpretações do mundo se posiciona de uma forma crítica, direcionando sua contribuição para resgatar a importância do espaço no mundo atual. Anteriormente esse papel era o de fonte de recursos, de fornecedor de condições que facilitassem o processo de desenvolvimento. Atualmente busca-se o papel ativo do espaço na sociedade, como uma das instancias sociais e não como um pano de fundo onde as relações sociais ocorreriam. (SANTOS, 1978).

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