INDÚSTRIA CULTURAL:
A comercialização da arte e seu reflexo[1]
(continuação)
Prof. Maicon Martta
Parte 2:
- A indústria cultural como fator alienador na sociedade e
suas conseqüências:
A indústria cultural é
uma conseqüência da nova sociedade de consumo nascida da consolidação do
capitalismo como herança das revoluções do séc. XVIII, ou seja, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial.
Com o advento do
capitalismo e as novas facilitações de créditos e a grande demanda dos mais
variados produtos oferecidos no mercado, o homem, como “ser no mundo”,
fascinado pelas novas possibilidades, acabou por criar novas necessidades, que
por sua vez, caracterizaram a Sociedade de Consumo. Podemos fazer uma analogia
entre a Sociedade de Consumo e a relação do não-ser expresso na obra Filosofia da Libertação, de Enrique
Dussel. Escreve Dussel:
“O pensamento crítico que surge na periferia – à qual
se deveria acrescentar a periferia social, as classes oprimidas, os lupem – termina sempre por dirigir-se ao
centro. É sua morte como filosofia; é seu nascimento como ontologia acabada e
como ideologia. O pensamento que se refugia no centro termina por ser pensado
como a única realidade. Fora de suas fronteiras está o não-ser, o nada, a
barbárie, o sem sentido. O ser é o próprio fundamento do sistema ou a
totalidade de sentido da cultura e do mundo do homem do centro.” [2]
Dussel escreveu essas
linhas visando uma filosofia própria da América Latina, uma filosofia
libertadora, uma filosofia para a periferia não só concentrada nos grandes
centros representados pelos países europeus. O não-ser, no exemplo de Dussel, é
o homem da periferia, é aquele que não participa do centro, é o oprimido. No
contexto atual de uma Sociedade de Consumo, o não-ser pode muito bem ser
representado por aquele que não pode comprar. No nosso mundo mecânico, em que a
economia domina por causa da sua relação de poder, quem não pode comprar “não
é”, quem não pode adquirir está fora do sistema, é o nada e o sem sentido. O
“ser”, na Sociedade de Consumo, está anexado ao conceito de “Ter”, de
“adquirir”. E numa sociedade em que o Consumo se torna sinônimo de existência,
é natural pensar na “Indústria” que a sustenta.
É partindo desta
contextualização que a crítica da Escola de Frankfurt, mais precisamente com
Adorno e Horkheimer, se endereça à arte e sua comercialização, criando o termo
Indústria Cultural. Porque como qualquer outro produto, a arte acabou por se
anexar nesse mesmo processo de industrialização e comercialização. E com o
desenvolvimento do Cinema e das rádios, a arte passou a ser um simples produto
e, por conseqüência, um problema a ser pensado pela filosofia e também pela sociologia.
Por que essa
comercialização da arte representa um problema a ser pensado? Primeiramente por
causa do próprio processo de composição dessas obras. Anteriormente, a arte era
composta visando a transcendência da própria obra caracterizado pelo talento do
artista, que por sua vez, buscava se eternizar pela grandeza e clareza da sua
arte. Com o mercado, o artista deixou de se preocupar com esse aspecto
transcendente da sua obra e passou a se preocupar com o aspecto lucrativo que
ela pode gerar. Não importa mais se a sua obra vai transcender a si mesma e
perpetuar, o que importa é que ela esteja no mercado, que ela seja ouvida ou
vista pelo maior número de pessoas possíveis, não importando se dentro de curto
espaço de tempo ela caia no esquecimento. Podemos perceber este fenômeno com
maior clareza nos dias de hoje no que concerne à música. Notoriamente
percebemos no cenário musical, obras que não duram mais do que um ano ou dois e
depois ninguém mais ouve falar. São produtos tipicamente comerciais, produzido
para grande massa, produtos da indústria cultural. O artista deixou de
transcender seu espírito, e em troca disso, passou a se preocupar com o aspecto
lucrativo de sua arte, em contrapartida a própria composição se torna bem aquém
do esperado, é o que Mukarovský chama
de “obra-coisa”[3].
Um outro elemento que faz
com que esse problema da comercialização explorada por uma indústria cultural
deva ser pensado, é a própria aceitação por parte da massa. Aqui, Adorno aprofunda
sua crítica. Segundo ele, o próprio conceito de gosto acaba sendo afetado. Toda
vez que a paz musical, escreve Adorno, se apresenta perturbada por excitações
bacânticas, pode se falar da decadência do gosto[4].
Segundo o autor da Dialética do
Esclarecimento, o conceito de gosto está decaído. O gosto deixou de ser um
critério subjetivo de avaliação de acordo com a razão e o senso estético em bom
ou ruim. O gosto passou a ser reconhecimento.
[...] Em vez do valor da própria coisa, o critério de
julgamento é o fato de a canção de sucesso ser conhecida de todos; gostar de um
disco de sucesso é quase exatamente o mesmo que reconhecê-lo. O comportamento
valorativo tornou-se uma ficção para quem se vê cercado de mercadorias musicais
padronizadas. Tal individuo já não consegue subtrair-se ao jugo da opinião
pública, nem tampouco pode decidir com liberdade quanto ao que lhe é
apresentado, uma vez que tudo o que se lhe oferece é tão semelhante ou idêntico
que a predileção, na realidade, se prende apenas ao detalhe biográfico, ou
mesmo à situação concreta em que a música é ouvida[5].
O que Adorno está
dizendo, é que as pessoas não gostam mais da música por seus próprios critérios
de avaliação, mas gostam porque reconhece o que está tocando. De tanto ouvirem
o que está na rádio, acaba gostando do que se toca. As categorias de arte
autônoma, procurada e cultivada em virtude do seu próprio valor intrínseco, já
não têm valor para a apreciação musical de hoje.
Adorno é categórico ao
reafirmar sua crítica e desgosto sobre a música comercializada, dizendo que o
próprio trabalho do artista está prejudicado, uma vez que não tem outro fim a
não ser o próprio comércio.
“A música de entretenimento serve ainda – e apenas –
como fundo. Se ninguém é capaz de falar realmente, é óbvio também que ninguém é
capaz de ouvir. Um especialista americano, que utiliza com predileção em
especial a música – [...] alegou que os ouvintes aprenderam a não dar atenção
ao que ouvem, mesmo durante o próprio ato da audição”[6].
A teoria crítica de
Adorno salienta uma perda simbólica na linguagem. Como o critério subjetivo
estético, em termos de bom e ruim deixou de existir, o novo conceito de gosto
traz consigo outros elementos problemáticos como, por exemplo, a falta de
analise crítica acerca do produto apresentado. Ao considerarmos que “gostar” é
“reconhecer”, estamos aceitando sem nenhuma análise o que a Indústria Cultural
está nos oferecendo. Esta aceitação sem crítica, segundo Adorno, nos leva à
alienação.
A perda da linguagem já é
uma conseqüência da alienação provocada pela Indústria Cultural. Sem falar que
a própria cultura de massa comercializada por essa indústria, acaba por sugerir
tendências e grupos, que acaba forçando o individuo a fazer uma nova imagem de
si. A falta de reflexão nos leva a sérias conseqüências neste sentido. Mudamos
nossas atitudes e nosso modo de ser para participar de determinados grupos que
sofreram influência da indústria cultural. Produzimos-nos e nos adequamos a
certos estilos, criando estereótipos em nossas próprias famílias, às vezes
gerando conflitos. E, ainda a favor desta ideia lembra-se, por exemplo, que as
crianças hoje dominam muito mais cedo a linguagem graças à veículos como o
rádio, TV e a internet, e recebem por intermédio deles todos os elementos que
constituirão a sua personalidade.
Em vista disso, um olhar cuidadoso deve ser lançado sobre essas mídias, para que o intelecto não caia na teia mansa da mera instrumentalização e na doce preguiça gerada pelo conformismo de simplesmente dizer sim.
Referências Bibliográficas:
ADORNO,
Theodor W. O fetichismo da musica e o
regresso da audição. São Paulo - SP: Nova Cultural, 2005.
ADORNO,
Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do
Esclarecimento. Rio de Janeiro - RJ: Jorge Zahar Editor, 1985.
____________________________________.
Temas Básicos da Sociologia. São
Paulo - SP: Cultrix, 1956.
TEIXEIRA,
Coelho. O que é Indústria Cultural. São
Paulo – SP: Editora Brasiliense, 1980.
BORNHEIM,
Gerd. Páginas de Filosofia da Arte. Rio
de Janeiro –RJ: UAPE, 1998.
PAVIANI,
Jayme. Estética e filosofia da arte.Porto
Alegre – Rs: Editora Sulina, 1973.
MUKAROUVSKÝ,
Jan. Escritos sobre estética e semiótica
da arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.
DUSSEL,
Emrique. Filosofia da Libertação. São
Paulo- SP: Edições Loyola, 1977.
[1]
Adaptado do artigo original intitulado “A
comercialização da arte e seu reflexo na educação”, apresentado como
comunicação no 1ª Congresso Internacional sobre filosofia na Universidade,
promovido pelo Departamento de Filosofia do Centro de Letras e Ciências humanas
da UEL (Universidade Estadual de Londrina), no Paraná no período de 10 a 12 de maio de 2006.
[2] DUSSEL,
E. Filosofia da Libertação. 1977, p.
11.
[3] Cf.
MUKAROVSKÝ, Jan. Escritos sobre estética
e semiótica da arte, 1997.
[4] ADORNO,
Theodor W. O fetichismo na música e o
regresso da audição.2005, p.65.
[5] Ibid.
p.66.
[6] ADORNO, Theodor
W. O fetichismo na música e o regresso da
audição.2005, p.67.