domingo, 18 de março de 2012


Filosofia – Texto 12 – Filosofia e Mito.





Sabemos que a filosofia nasceu no século VII a.C. num contexto social em que se fazia mister uma análise da realidade de forma mais coerente e crítica longe da proposta mitológica que imperava na época, em que a explicação da realidade era contada através de mitos.

Um mito é uma narrativa, um conto, que hoje é relacionado com algo falso, não verdadeiro, mas já houve um tempo em que todo o conhecimento era transmitido através deles. O mito possuía duas características fundamentais: a primeira era a de explicar a realidade, os fenômenos naturais e a própria natureza humana; a segunda mantinha um caráter pedagógico, disciplinar e voltado para a educação social e moral.

Não obstante, o homem sempre foi um criador de mitos e de estórias e sempre usou essas narrativas para explicar o que não podia entender, ou aquilo de que se admirava.

Blaise Pascal, em sua sabedoria, talvez tenha sido o que melhor tenha definido o Ser Humano. Com grande clareza e propriedade afirma que “o pensamento faz a grandeza do homem”.[1]

O homem não passe de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para aniquilá-lo: um vapor, uma gota de água, bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o aniquilasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e conhece a vantagem que o universo tem sobre ele: o universo desconhece tudo isso[2].



Nossa dignidade consiste, portanto, no pensamento, na criação e na idealização de projetos. Essa característica fantástica fez todo o diferencial para o homem do paleolítico. A materialização de seus projetos, o planejamento e o trabalho transformaram o homem em Ser Humano, abrindo dessa forma, um leque de possibilidades para o seu desenvolvimento e compreensão de mundo.

E um dos mais belos frutos da construção sucessiva da natureza humana a partir de estágios subordinados da existência, é que se pode mostrar com que necessidade interna o homem, no mesmo instante que se tornou homem através da consciência do mundo e de si próprio e através da objetivação mesma de sua natureza psíquica, também precisou apreender a ideia formal de um ser supramundano infinito e absoluto[3]. E sendo assim, da mesma forma, se perceber como finito, limitado, susceptível ao tempo e a morte. Todas essas sensações juntamente com a tentativa de entender os processos da natureza à qual o homem sempre tentou dominar; ele torna-se também um criador: um criador de mitos, de alegorias, e conseqüentemente de religiões.

Karen Armstrong, em seu livro intitulado Breve história do mito, inicia da seguinte forma:

Os seres humanos sempre foram criadores de mitos. Arqueólogos escavaram túmulos do homem de Neandertal que continham armas, ferramentas e a ossada de um animal sacrificado; tudo isso sugere uma crença qualquer num mundo futuro similar àquele em que viviam. Os homens de Neandertal talvez tenham contado uns aos outros histórias a respeito da vida que o companheiro morto passou a levar. Sem dúvida refletiam a respeito da morte de um modo que outras criaturas não faziam[4].



O homem, ao contrário de outros animais, tem consciência da sua realidade, podendo refletir sobre a vida e a morte, temas centrais em toda e qualquer mitologia e circundante também em todas as religiões. Portanto, desde o Paleolítico o ser humano se distingue pela capacidade de ter pensamentos que transcendem sua experiência cotidiana.  Sendo assim, podemos ser categóricos em afirmar que o que separa o homem natural do homem cultural não é só a fabricação de instrumentos de trabalho, mas também a capacidade de imaginar, criar e contar estórias, de fabricar mitos na tentativa de explicar sua realidade.

Fator primordial para que essa realidade se concretizasse é o que chamamos de imaginação. A imaginação é essencialmente humana, sendo, portanto, exclusiva do homem. Essa faculdade de imaginar é considerada a base para todas as mitologias e religiões existentes[5]. Conhecendo a realidade estendida a sua volta, o homem pode se identificar com o meio, utilizando suas habilidades para transformá-lo. Mas nenhuma das habilidades tipicamente humana seriam possíveis sem a imaginação. Para que o homem pudesse construir o primeiro instrumento de trabalho foi preciso que primeiro ele imaginasse. Foi imaginando o resultado do corte que o homem lascou a primeira pedra para usá-la como faca, experimentando assim, algo totalmente novo. Outras tentativas levaram ao aperfeiçoamento, e de geração a geração esses ensinamentos foram transmitidos, originando o que conhecemos hoje como Cultura.

O homem como ser cultural pode dar sentido as coisas ao seu redor. Atribuir significados significa criar vínculos com as coisas. O homem primitivo criava esses vínculos com tudo o que era importante para o seu desenvolvimento e sobrevivência. Era dessa forma que o homem interagia com o meio, adaptando-se a ele e adaptando-o, respeitando e criando significados. A árvore que produzia o fruto, não era apenas uma árvore, mas algo superior, que podia gerar frutos que davam sustentação ao seu corpo. A caça não era simplesmente um animal a ser abatido, mas era algo mágico, que existia para fornecer carne, pele e osso ao grupo. As sementes que eram plantadas eram mais do que simples grãos; representava o movimento que gerava o alimento que os sustentavam. 

A cada atividade humana em que o homem se percebe como dependente da natureza a sua volta, evidencia-se sua pequenez fazendo-o perceber que existe algo muito maior que ele que emerge do universo. Essa sensação fez com que o homem, pela primeira vez, entrasse em contato com o que consideraria Sagrado.



O Período Cosmológico:



Levando tudo em consideração a evolução do pensamento humano até aquele momento, surgi o primeiro momento filosófico, o primeiro período da filosofia. Esse período tinha como preocupação as questões que envolviam a physis (physis), isto é, a natureza, não a pronta e acabada, mas a do grande Cosmos. Nesta perspectiva, os pensadores dessa época que eram conhecidos como Filósofos da Natureza ou ainda, Filósofos Pré-socráticos, buscavam a arché (arche), ou seja, um princípio único para todas as coisas existentes no mundo e no grande Cosmos.

As primeiras respostas para esse questionamento surgiram nas colônias gregas da Jônia, na Ásia menor, mais precisamente em Mileto, com a chamada Escola de Mileto. Essa escola tinha como representantes três pensadores: Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes.

Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo. Sua proeza foi a de ser o primeiro a dar uma resposta para o questionamento da época, ou seja, se existe um principio único (arché) para todas as coisas existentes. Sua resposta foi a água e suas diferentes variações físicas, como o estado sólido e o gasoso. No entanto, Tales foi incapaz de explicar o que gerava a mudança desses estados, a saber, o frio e o calor.

Levado pelas reflexões de Tales e pelo seu insucesso de responder acerca das mudanças do estado da água, através do frio e do calor (que não poderiam provir da água), Anaximandro trás para a si a responsabilidade de completar essa lacuna. Dessa forma, Anaximandro apresenta um novo e único elemento para explicar a realidade e todas as  coisas existentes: o Apeíron (apeiron)).

O Apeíron, que pode ser traduzido por Ilimitado, seria como uma grande força criadora de todas as coisas, inclusive dos contrários. Muitos associam esse Ilimitado a uma primeira ideia de Deus; uma comparação bastante plausível se considerarmos os termos propostos por Anaximandro.

De qualquer forma, o Apeíron, era um conceito sem sustentação e suscitava muitas dúvidas, dúvidas que levaram as contribuições de Anaxímenes.

Anaxímenes propôs algo que fosso conhecido, não sendo, portanto, abstrato demais, mas também não sendo tão palpável quanto a água. Por esse motivo ele surge como mediador entre Tales e Anaximandro e sua resposta a pergunta da Physis é o Ar. Segundo ele, tudo necessita do ar para viver e sendo assim ele é o princípio básico de todas as coisas existentes, dependendo de sua densidade o ar poderia ser qualquer coisa.

Percebe-se claramente com essas primeiras respostas, que são ingênuas, mas foram elas que abriram o leque de possibilidades para um questionamento racional da realidade e do cosmos.

 Outros pensadores pré-socráticos também deram sua contribuição:


Pitágoras de Samos: Números;

Empédocles: Água, terra, fogo e ar. Empédocles foi o primeiro a propor mais do que um elemento formador.

Anaxágoras: Homeomerias (opostos infinitamente pequenos), segundo esse pensador todas as coisas existentes eram formadas pelas homeomerias, que se juntavam para formar a coisas e depois se desprendiam para formar outras coisas. Assim, quando um ser vivo morria e deixava de existir, as homeomerias se separavam para se juntar a outros corpos. O interessante é que para exemplificar isso, Anaxágoras, observou um corpo em decomposição, a partir daí inferiu que se algo se decompõe, logo deve ser recompor novamente e assim todas as coisas passam a existir.

Demócrito de Abdera: Considerado o último dos filósofos Pré-socráticos. Demócrito foi o que mais se aproximou da verdade em relação ao surgimento de todas as coisas. Segundo ele, todas as coisas são formadas por partículas microscopias e indivisíveis que se juntam para formar as coisas e, a exemplo de Anaxágoras, se separam quando a coisa deixa de existir para formar outra coisa. A essas partículas Demócrito chamava de Átomos. Hoje sabemos que realmente a matéria é formada por átomos, no entanto, essas partículas minúsculas são divisíveis.

Demócrito é digno de crédito e admiração, uma vez que não dispunha, em sua época, de nenhum aparelho para comprovar suas teorias, usando para isso somente sua razão.



Dica de Leitura:

- Heráclito e o seu (dis)Curso – Donaldo Schüller
- Pré-socráticos – José Cavalcante Souza.



[1] PASCAL, Blaise. Pensamentos. 2005, p.121.
[2] Ib. p. 122.
[3] CF. SCHELER, Max. A posição do homem no cosmos, 2003.
[4] ARMSTRONG, Karen. Breve Historia do mito. 2005, p.7.
[5] Cf. ARMSTRONG, Karen. Breve Historia do mito. 2005.

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