Filosofia –
Texto 12 – Filosofia e Mito.
Sabemos que a
filosofia nasceu no século VII a.C. num contexto social em que se fazia mister
uma análise da realidade de forma mais coerente e crítica longe da proposta
mitológica que imperava na época, em que a explicação da realidade era contada
através de mitos.
Um mito é uma
narrativa, um conto, que hoje é relacionado com algo falso, não verdadeiro, mas
já houve um tempo em que todo o conhecimento era transmitido através deles. O
mito possuía duas características fundamentais: a primeira era a de explicar a
realidade, os fenômenos naturais e a própria natureza humana; a segunda
mantinha um caráter pedagógico, disciplinar e voltado para a educação social e
moral.
Não obstante,
o homem sempre foi um criador de mitos e de estórias e sempre usou essas
narrativas para explicar o que não podia entender, ou aquilo de que se
admirava.
Blaise
Pascal, em sua sabedoria, talvez tenha sido o que melhor tenha definido o Ser
Humano. Com grande clareza e propriedade afirma que “o pensamento faz a
grandeza do homem”.[1]
O homem não passe de um caniço, o mais fraco da
natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se
arme para aniquilá-lo: um vapor, uma gota de água, bastam para matá-lo. Mas,
mesmo que o universo o aniquilasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem
o mata, porque sabe que morre e conhece a vantagem que o universo tem sobre
ele: o universo desconhece tudo isso[2].
Nossa
dignidade consiste, portanto, no pensamento, na criação e na idealização de
projetos. Essa característica fantástica fez todo o diferencial para o homem do
paleolítico. A materialização de seus projetos, o planejamento e o trabalho
transformaram o homem em Ser Humano,
abrindo dessa forma, um leque de possibilidades para o seu desenvolvimento e
compreensão de mundo.
E um dos mais
belos frutos da construção sucessiva da natureza humana a partir de estágios
subordinados da existência, é que se pode mostrar com que necessidade interna o
homem, no mesmo instante que se tornou homem através da consciência do mundo e
de si próprio e através da objetivação mesma de sua natureza psíquica, também
precisou apreender a ideia formal de um ser supramundano infinito e absoluto[3]. E
sendo assim, da mesma forma, se perceber como finito, limitado, susceptível ao
tempo e a morte. Todas essas sensações juntamente com a tentativa de entender
os processos da natureza à qual o homem sempre tentou dominar; ele torna-se
também um criador: um criador de mitos, de alegorias, e conseqüentemente de
religiões.
Karen
Armstrong, em seu livro intitulado Breve
história do mito, inicia da seguinte forma:
Os seres humanos sempre foram criadores de mitos.
Arqueólogos escavaram túmulos do homem de Neandertal que continham armas,
ferramentas e a ossada de um animal sacrificado; tudo isso sugere uma crença
qualquer num mundo futuro similar àquele em que viviam. Os homens de Neandertal
talvez tenham contado uns aos outros histórias a respeito da vida que o
companheiro morto passou a levar. Sem dúvida refletiam a respeito da morte de
um modo que outras criaturas não faziam[4].
O homem, ao
contrário de outros animais, tem consciência da sua realidade, podendo refletir
sobre a vida e a morte, temas centrais em toda e qualquer mitologia e
circundante também em todas as religiões. Portanto, desde o Paleolítico o ser
humano se distingue pela capacidade de ter pensamentos que transcendem sua
experiência cotidiana. Sendo assim,
podemos ser categóricos em afirmar que o que separa o homem natural do homem
cultural não é só a fabricação de instrumentos de trabalho, mas também a
capacidade de imaginar, criar e contar estórias, de fabricar mitos na tentativa
de explicar sua realidade.
Fator
primordial para que essa realidade se concretizasse é o que chamamos de
imaginação. A imaginação é essencialmente humana, sendo, portanto, exclusiva do
homem. Essa faculdade de imaginar é considerada a base para todas as mitologias
e religiões existentes[5].
Conhecendo a realidade estendida a sua volta, o homem pode se identificar com o
meio, utilizando suas habilidades para transformá-lo. Mas nenhuma das
habilidades tipicamente humana seriam possíveis sem a imaginação. Para que o
homem pudesse construir o primeiro instrumento de trabalho foi preciso que
primeiro ele imaginasse. Foi imaginando o resultado do corte que o homem lascou
a primeira pedra para usá-la como faca, experimentando assim, algo totalmente
novo. Outras tentativas levaram ao aperfeiçoamento, e de geração a geração
esses ensinamentos foram transmitidos, originando o que conhecemos hoje como Cultura.
O homem como
ser cultural pode dar sentido as coisas ao seu redor. Atribuir significados
significa criar vínculos com as coisas. O homem primitivo criava esses vínculos
com tudo o que era importante para o seu desenvolvimento e sobrevivência. Era
dessa forma que o homem interagia com o meio, adaptando-se a ele e adaptando-o,
respeitando e criando significados. A árvore que produzia o fruto, não era
apenas uma árvore, mas algo superior, que podia gerar frutos que davam
sustentação ao seu corpo. A caça não era simplesmente um animal a ser abatido,
mas era algo mágico, que existia para fornecer carne, pele e osso ao grupo. As
sementes que eram plantadas eram mais do que simples grãos; representava o
movimento que gerava o alimento que os sustentavam.
A cada
atividade humana em que o homem se percebe como dependente da natureza a sua
volta, evidencia-se sua pequenez fazendo-o perceber que existe algo muito maior
que ele que emerge do universo. Essa sensação fez com que o homem, pela
primeira vez, entrasse em contato com o que consideraria Sagrado.
O Período
Cosmológico:
Levando tudo
em consideração a evolução do pensamento humano até aquele momento, surgi o
primeiro momento filosófico, o primeiro período da filosofia. Esse período
tinha como preocupação as questões que envolviam a physis (physis), isto é, a
natureza, não a pronta e acabada, mas a do grande Cosmos. Nesta perspectiva, os
pensadores dessa época que eram conhecidos como Filósofos da Natureza ou ainda, Filósofos
Pré-socráticos, buscavam a arché
(arche), ou seja, um princípio único para todas
as coisas existentes no mundo e no grande Cosmos.
As primeiras
respostas para esse questionamento surgiram nas colônias gregas da Jônia, na
Ásia menor, mais precisamente em Mileto, com a chamada Escola de Mileto. Essa
escola tinha como representantes três pensadores: Tales de Mileto, Anaximandro
e Anaxímenes.
Tales de
Mileto é considerado o primeiro filósofo. Sua proeza foi a de ser o primeiro a
dar uma resposta para o questionamento da época, ou seja, se existe um
principio único (arché) para todas as
coisas existentes. Sua resposta foi a água e suas diferentes variações físicas,
como o estado sólido e o gasoso. No entanto, Tales foi incapaz de explicar o
que gerava a mudança desses estados, a saber, o frio e o calor.
Levado pelas
reflexões de Tales e pelo seu insucesso de responder acerca das mudanças do
estado da água, através do frio e do calor (que não poderiam provir da água),
Anaximandro trás para a si a responsabilidade de completar essa lacuna. Dessa
forma, Anaximandro apresenta um novo e único elemento para explicar a realidade
e todas as coisas existentes: o Apeíron (apeiron)).
O Apeíron, que pode ser traduzido por Ilimitado, seria como uma grande força
criadora de todas as coisas, inclusive dos contrários. Muitos associam esse Ilimitado a uma primeira ideia de Deus;
uma comparação bastante plausível se considerarmos os termos propostos por
Anaximandro.
De qualquer
forma, o Apeíron, era um conceito sem
sustentação e suscitava muitas dúvidas, dúvidas que levaram as contribuições de
Anaxímenes.
Anaxímenes
propôs algo que fosso conhecido, não sendo, portanto, abstrato demais, mas
também não sendo tão palpável quanto a água. Por esse motivo ele surge como
mediador entre Tales e Anaximandro e sua resposta a pergunta da Physis é o Ar. Segundo ele, tudo
necessita do ar para viver e sendo assim ele é o princípio básico de todas as
coisas existentes, dependendo de sua densidade o ar poderia ser qualquer coisa.
Percebe-se
claramente com essas primeiras respostas, que são ingênuas, mas foram elas que
abriram o leque de possibilidades para um questionamento racional da realidade
e do cosmos.
Outros pensadores pré-socráticos também deram
sua contribuição:
Pitágoras de Samos: Números;
Empédocles: Água, terra, fogo e ar.
Empédocles foi o primeiro a propor mais do que um elemento formador.
Anaxágoras: Homeomerias (opostos
infinitamente pequenos), segundo esse pensador todas as coisas existentes eram
formadas pelas homeomerias, que se juntavam para formar a coisas e depois se
desprendiam para formar outras coisas. Assim, quando um ser vivo morria e
deixava de existir, as homeomerias se separavam para se juntar a outros corpos.
O interessante é que para exemplificar isso, Anaxágoras, observou um corpo em
decomposição, a partir daí inferiu que se algo se decompõe, logo deve ser
recompor novamente e assim todas as coisas passam a existir.
Demócrito de Abdera: Considerado o
último dos filósofos Pré-socráticos. Demócrito foi o que mais se aproximou da
verdade em relação ao surgimento de todas as coisas. Segundo ele, todas as
coisas são formadas por partículas microscopias e indivisíveis que se juntam
para formar as coisas e, a exemplo de Anaxágoras, se separam quando a coisa
deixa de existir para formar outra coisa. A essas partículas Demócrito chamava
de Átomos. Hoje sabemos que realmente a matéria é formada por átomos, no
entanto, essas partículas minúsculas são divisíveis.
Demócrito é
digno de crédito e admiração, uma vez que não dispunha, em sua época, de nenhum
aparelho para comprovar suas teorias, usando para isso somente sua razão.
Dica de Leitura:
- Heráclito
e o seu (dis)Curso – Donaldo Schüller
-
Pré-socráticos – José Cavalcante Souza.
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